Uma necessária associação entre literatura, prosa e poesia, e saúde mental no contemporâneo, apoiada no livro Pandérmicas, escrito durante a pandemia.
SOBRE O LIVRO
EM MEADOS DE 2020, DURANTE A PANDEMIA, recebi uma mensagem com a imagem de uma flor. A pele em carne viva, o desencontro e as dores da solidão forçada, me salvaguardaram estranha potência de olhar e reter vida através de telas. Era o resto do que me sobrava de contato como o outro do mundo. Um artista amigo me enviava uma imagem, via pixels, com muita lonjura incômoda, de seu último trabalho, aquilo que lhe afetava como uma esperança. Era uma Flor.
Disse-lhe que me remetia à Flor da Lua de Margaret Mee, à unicidade de um devir possível e construído em conjunto em meio ao horror de tantas mortes. Daí surgiu uma série de trabalhos cujo nome seria "A Flor da Lua da Quarentena" e este livro, em suas mãos sobreviventes. De quantas pandermias, eu já não posso lhe contar.
A raríssima Flor da Lua, de nome científico Selenicereus Wittii, também é conhecida como cacto flor-do-luar. Deve-se à coragem de uma mulher, Margaret Mee, artista botânica inglesa que dedicou parte de sua vida a estudar e a desenhar as flores e plantas da Amazônia Brasileira, o desvelamento de sua eternidade. Efêmera como num raio de instante, esta flor floresce apenas por uma noite durante todo o ano e fica aberta por algumas horas. E ela a encontrou. Desenhou-a em toda sua nudez. Como se a pele do mundo também se encarnasse em suas aquarelas.
A flor, a dor, o exílio, a derme que se ressente em fricção com o mundo é o complexo que chamei de pandermia. Se te fizer sentido, há aí um encontro ou um conhecimento de si. De nós. Da atualidade atemporal de nossa forma de habitar este mundo. Saindo ou se ressentindo de várias outras senhas de entrada ou saída da pandermia nossa de cada dia, há uma raridade, uma singularidade ou uma latência que se desvela em flor. Da lua, de céu negro, de crepúsculos inviáveis, dos restos, das sobras.
Não há escapatória.
A poesia é o caos que insiste. Que conjuga proximidades. Que nos faz sobreviver.
As flores não jogam dados.
Autor: Ana Paula Perissé

Psicanalista, Membro Efetivo e Professora do Círculo Brasileiro de Psicanálise- Seção Rio de Janeiro. Doutora e Mestre em Psicologia Social pela UERJ, Bacharel em Comunicação Social pela PUC-Rio com Fine Arts and Science pelo convênio PUC-UIUC, USA.
Ilustrador: Luiz Primati