O projeto Língua Viva busca ser um ponto convergente entre linguagem, psicanálise e processo criativo. A cada encontro os psicanalistas Marília Flores e Abílio Ribeiro desenvolvem um aspecto especifico da nossa língua. A arte intriga, faz enigma e provoca. À luz da psicanálise serão comentados ângulos e caminhos em torno do ato de criação e da experiência de fruição da arte, tanto para o artista quanto para o espectador/leitor.
TEMA: A dor de existir, estética e estilo na literatura.
DATA: 03/12/2025
A dor de existir se impõe pela condição humana frente ao desamparo, às perdas, à solidão e à finitude. Para muitos, o sofrimento é uma fonte de inspiração para a criação artística. A arte se cava na dor. Será assim para todos aqueles que dão um tratamento estético e assinam com um estilo a sua escrita?
Rosa Montero declara escrever contra a morte. Lya Luft escreve sobre isolamento e ternura, a perturbadora ambivalência nossa, diz ela. Saramago prefere falar mais da vida do que literatura, pois, a literatura está na vida, assim tem a ambição de fazer da literatura vida. Marguerite Duras afirma que escrever é também não falar, é se calar. É berrar sem fazer ruído. O escritor é alguém que não fala muito, mas que escuta muito. Clarice Lispector escreve como que para salvar a vida de alguém, provavelmente a própria vida, acrescenta. José Castello propõe que a literatura pode tratar a dor humana, abrandá-la. Annie Ernaux confessa que não há orgasmo mais intenso que a escrita de um livro.
Pedro Juan Gutiérrez escreve para continuar andando e atravessar a fúria e o horror. Bukowski escreve sobre a loucura roubada que não deseja a ninguém a não ser a si mesmo.
Se a dor de existir é a matéria bruta e fina na escrita de um autor, quais os efeitos dessa escrita forjada na dor sobre nós, supostos leitores? Venham debater conosco.
OUTROS ENCONTROS
TEMA: O que é (o ou um) pai ?
DATA: 17/09/25
O que é (o ou um) pai? “O pai”, acompanhado do artigo definido, pode conotar uma norma ou identidade conferida ao ideal do pai. “Um pai”, acompanhado do artigo indefinido, pode nos sugerir não uma norma estabelecida, mas a ocorrência singular de um pai enquanto função que inscreve e nomeia um sujeito na ordem simbólica do mundo. Logo, “o pai” pode ser o progenitor ou aquele que confere filiação ao filho na certidão. Contudo, “um pai” é uma função que não está restrita a pessoa ou responsabilidade civil de alguém formalmente nomeado. Um pai é o efeito de uma nomeação que funcionará para o sujeito como medida para o desejo, uma nomeação que abre a possibilidade para o sujeito frente ao desamparo real ou frente à devoração de um capricho desmedido de um Outro devorador. Na obra de Valter Hugo Mãe, Filho de mil homens, podemos explorar a narrativa poética e singular da ocorrência de “um pai” na vida daquela que advirá como um filho: “Quando se conhece alguém, pensou Crisóstomo, procuram-se as exuberâncias dos gestos, como para fazer exuberar o amor, mas o amor é uma pacificação com as nossas naturezas e deve conduzir ao sossego”.
TEMA: O peso do vazio das perdas
DATA: 16/07/2025
"A vida muda rapidamente, a vida muda em um instante. Você se senta para jantar, e a vida que você conhecia termina (...)" [Joan Didion].
Como lidar com as perdas, como lidar com a transitoriedade da vida? Baseando-nos em autores que escreveram sobre formas de elaboração do luto: Joan Didion, Aline Bei, Rosa Monteiro, Valter Hugo Mãe, teceremos comentários, informados por Freud, sobre o difícil trabalho psíquico de elaboração de uma perda significante.
TEMA: Ver e ser visto: o mundo tela
DATA: 07/ 05 /2025
A pandemia de covid acelerou um processo que vinha se impondo de modo inexorável: a onipresença das telas nas nossas vidas. Uma mudança radical que não é sem consequências. Da maravilha ao horror desse admirável mundo novo panótico podemos recolher alguns efeitos, que engendram fantasias, desejos, sintomas e delírios, tais como: imperativo à fama, exibição do privado, fetichização da imagem, soberania da opinião, isolamento, vigilância, entronização do perigo no abrigo do lar...E outros efeitos que poderemos pensar juntos em nossa roda de conversa.
TEMA: A função da fantasia
DATA: 19/03/2025

Em nossa festa carnavalesca, as fantasias não são apenas modos de representar, citar e experimentar os elementos de nossa cultura popular e de nossa vida social, elas são também formas críticas e criativas de discutir nossas realidades cotidianas. Pela fantasia, somos agentes de narrativas, atores de cenas ou sujeitos discursantes sobre a realidade que nos oprime, nos angustia e nos interroga como seres de desejo. A fantasia carnavalesca nos permite um gozo possível de alegria, diversão e subversão como alternativa à angústia frente ao exercício de poder do Outro do Estado.
A fantasia é uma via possível diante do real inapreensível que nos invade, nos surpreende e nos desafia. Enquanto seres da linguagem, organizamos nossa vida psíquica a partir de nossa fantasia fundamental, ou seja, pela ficção que fazemos de nossa posição frente ao desejo do Outro e diante da pergunta: “Que queres”? Freud a apresenta através da formulação verbal de uma analisanda _ “Bate-se numa criança”.
Só podemos abordar o real pela realidade recortada na tela da fantasia. Na obra “A condição Humana” (1933), René Magritte retrata uma cena ou cenário que se apresenta para além da moldura da janela e outra que parece reproduzir numa tela, próxima à janela, aquilo que a própria tela nos impede de ver diretamente. Assim, a pintura no cavalete seria uma apresentação de uma realidade que buscaria representar o que é real além da moldura da janela? Magritte nos confunde entre a apresentação e a representação; entre pintura, real e realidade.
É também com a sua genialidade que um certo Joãozinho Trinta nos dá a ver, em sua “Grande Ópera Popular”, a transposição do real em fantasia, e a nossa condição de objeto frente à presença do desejo colonizador do Outro: “Sai do lixo a nobreza/ Euforia que consome/ Se ficar, o rato pega/ Se cair, urubu come”.