O projeto Língua Viva busca ser um ponto convergente entre linguagem, psicanálise e processo criativo. A cada encontro os psicanalistas Marília Flores e Abílio Ribeiro desenvolvem um aspecto especifico da nossa língua. A arte intriga, faz enigma e provoca. À luz da psicanálise serão comentados ângulos e caminhos em torno do ato de criação e da experiência de fruição da arte, tanto para o artista quanto para o espectador/leitor.
TEMA: A função da fantasia
DATA: 19/03/2025
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Em nossa festa carnavalesca, as fantasias não são apenas modos de representar, citar e experimentar os elementos de nossa cultura popular e de nossa vida social, elas são também formas críticas e criativas de discutir nossas realidades cotidianas. Pela fantasia, somos agentes de narrativas, atores de cenas ou sujeitos discursantes sobre a realidade que nos oprime, nos angustia e nos interroga como seres de desejo. A fantasia carnavalesca nos permite um gozo possível de alegria, diversão e subversão como alternativa à angústia frente ao exercício de poder do Outro do Estado.
A fantasia é uma via possível diante do real inapreensível que nos invade, nos surpreende e nos desafia. Enquanto seres da linguagem, organizamos nossa vida psíquica a partir de nossa fantasia fundamental, ou seja, pela ficção que fazemos de nossa posição frente ao desejo do Outro e diante da pergunta: “Que queres”? Freud a apresenta através da formulação verbal de uma analisanda _ “Bate-se numa criança”.
Só podemos abordar o real pela realidade recortada na tela da fantasia. Na obra “A condição Humana” (1933), René Magritte retrata uma cena ou cenário que se apresenta para além da moldura da janela e outra que parece reproduzir numa tela, próxima à janela, aquilo que a própria tela nos impede de ver diretamente. Assim, a pintura no cavalete seria uma apresentação de uma realidade que buscaria representar o que é real além da moldura da janela? Magritte nos confunde entre a apresentação e a representação; entre pintura, real e realidade.
É também com a sua genialidade que um certo Joãozinho Trinta nos dá a ver, em sua “Grande Ópera Popular”, a transposição do real em fantasia, e a nossa condição de objeto frente à presença do desejo colonizador do Outro: “Sai do lixo a nobreza/ Euforia que consome/ Se ficar, o rato pega/ Se cair, urubu come”.