PARABELO
coreografia: RODRIGO PEDERNEIRAS
música: TOM ZÉ e ZÉ MIGUEL WISNIK
cenografia: FERNANDO VELLOSO e PAULO PEDERNEIRAS
figurino: FREUSA ZECHMEISTER
iluminação: PAULO PEDERNEIRAS
(Duração: 42 minutos)
Escrever na língua nativa a palavra balé (assim, com um ele só e acento agudo) tem sido a busca consciente e obstinada de Rodrigo Pederneiras desde o antológico 21, de 1992. A inspiração sertaneja e a transpiração pra lá de contemporânea da trilha composta por Tom Zé e José Miguel Wisnik para Parabelo, de 1997, permitiram ao coreógrafo do Grupo Corpo dar vida àquela que ele mesmo define como a “a mais brasileira e regional” de suas criações.
De cantos de trabalho e devoção, da memória cadenciada do baião e de um exuberante e onipresente emaranhado de pontos e contrapontos rítmicos, emerge uma escritura coreográfica que esbanja jogo de cintura e marcação de pé, numa arrebatadora afirmação da maturidade e da força expressiva da gramática construída ao longo de anos pelo arquiteto de Missa do Orfanato e Sete ou Oito Peças para um Ballet.
A estética dos ex-votos de igrejas interioranas inspira Fernando Velloso e Paulo Pederneiras na composição dos dois painéis, de 15m X 8m, que dão sustentação cenográfica ao espetáculo.
Com a intensidade das cores velada por um tule negro e revelada somente no espaço exíguo e imperativo das sapatilhas, a figurinista Freusa Zechmeister cria o jogo de luz e sombra que veste os bailarinos na primeira parte de Parabelo, enquanto na reta final e explosiva do balé as malhas se libertam do véu, alardeando a temperatura jubilosa e alta de suas cores.
TRIZ
coreografia: RODRIGO PEDERNEIRAS
música: LENINE
cenografia: PAULO PEDERNEIRAS
figurino: FREUSA ZECHMEISTER
iluminação: PAULO PEDERNEIRAS e GABRIEL PEDERNEIRAS
(Duração: 38 minutos)
A sensação de estar sob a mira da mitológica espada de Dâmocles, suspensa por um tênue fio de crina de cavalo, foi tão imperativa durante todo o período de gestação do novo balé do Grupo Corpo que acabou não apenas se impondo como o grande mote para a sua criação, mas servindo, também, de inspiração para o seu nome – Triz, palavra de sonoridade onomatopaica, que tem nos vocábulos gregos triks/trikós (pelo, cabelo) sua mais provável origem etimológica, simbolizada pela expressão por um triz (por um fio)[1].
Em plena recuperação da cirurgia que em meados de fevereiro reconstituiu um tendão do ombro e dois músculos de seu braço esquerdo, em maio, o coreógrafo Rodrigo Pederneiras rompeu o menisco do joelho esquerdo, e só depois de se submeter a uma nova cirurgia, pôde dar início, com a perna imobilizada, aos trabalhos.
Para um ex-bailarino desinquieto, acostumado a coreografar demonstrando com o próprio corpo cada movimento concebido, a limitação física atuou de forma veemente em um processo de criação sobre o qual pairava já a afiada espada do tempo – exíguo demais para escrever as partes e orquestrar a partitura de 21 corpos sobre o espaço. Pesava ainda sobre sua cabeça, o brilho radical da música polirrítmica arquitetada por Lenine, construída apenas, e em aparente paradoxo, com instrumentos de corda.
Como estímulo à criação da trilha do novo balé do Grupo Corpo, Lenine tratou de posicionar, ele mesmo, uma espada de Dâmocles sobre sua cabeça: construir uma topografia musical recortada por subversões rítmicas (uma paixão) a partir de um único leitmotiv e utilizando somente instrumentos de corda. Do berimbau à balalaica, do violino ao violão, da cítara à rabeca, da tambura ao bandolim, o copioso cortejo de cordas que povoa e imprime relevo à tessitura musical de Triz – assim como o tema central – tem suas possibilidades sonoras exploradas até as últimas consequências. A exceção que confirma a regra foi curiosamente o piano, o mais completo dos instrumentos, que comparece com... uma nota só – o ponto final e retumbante da trilha urdida pelo compositor pernambucano.
Concebida como uma única peça, de dez movimentos, Triz, a trilha, tem produção musical assinada a quatro mãos por Lenine e Bruno Giorgi, seu filho, que atua também como músico em diversas faixas.
Numa obra onde a ocupação do espaço reflete a intermitência e a dubiedade diabólicas operadas no tempo da música por Lenine ao longo de 38 minutos de trilha, a possibilidade de criar uma série de duos femininos atuou como lenitivo e respiradouro necessários tanto ao exercício da criação pelo coreógrafo, quanto à execução dos movimentos pelos bailarinos – que, nas formações de grupo, atuam em estado de tensão permanente, onde qualquer átimo, um triz que seja de imprecisão, pode ser fatal.
Com cerca de quinze quilômetros de cabo de aço, Paulo Pederneiras ergue uma arquitetura cênica que alude à presença soberana das cordas na trilha de Lenine, ao mesmo tempo em que se impõe como proderosa metáfora das limitações impostas à equipe de criação e aos intérpretes do Grupo Corpo na construção de Triz.
Representação hiperbólica da harpa de aço que compõe a caixa interna do piano, o espaço cenográfico criado por Pederneiras contrapõe a sensação de peso e barreira física, trazida pelo aço e pela monumentalidade das cortinas, à de transparência e leveza, forjada pelas frestas que irrompem entre as cordas. O jogo lúdico com a ideia de que o limite pode não passar de uma ilusão tem na ocupação pontual pelos bailarinos do espaço longitudinal entre a rotunda e a cortina de fundo o seu maior paradigma.
Freusa Zechmeister recorre a malhas inteiriças e ao uso exclusivo e blocado do preto e do branco para seccionar em duas metades, verticais e simétricas, o corpo dos bailarinos. Uma opção que leva às raias a brincadeira em torno da relatividade do limite. Colocadas em movimento, as extensas massas de preto e de branco, tão claramente demarcadas na visão estática da forma, já não permitem mais que se precise sequer o corpo a que pertencem.
Num espetáculo que se apropria do caráter opressor do limite como gatilho para a sua construção, os figurinos de Zechmeister surgem como o símbolo mais evidente (e pra lá de bem-humorado) de que a chave da superação pode estar na mera determinação de se manter em movimento.
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