Uma evocação que começa nos pampas e se estende a todos os rincões musicais das Américas: é assim que se começa a definir o álbum Continente do violonista Yamandu Costa, lançado pela Biscoito Fino. O instrumentista gaúcho foi buscar em sua terra natal os dois músicos que o acompanham neste périplo –Guto Wirtti (baixolão) e o Arthur Bonilla (violão de sete cordas). Reunido, o trio interpreta composições leva às últimas consequências “a linguagem e o sabor musical dos pampas”, como explica Yamandu: “tem que que estar mergulhado naquele universo para poder interpretá-lo adequadamente”.
O título do álbum já é uma primeira homenagem, no caso a Érico Veríssimo, cujo primeiro volume da trilogia “O Tempo e o Vento” é justamente “O continente”. “Veríssimo conseguiu ser regional e universal ao narrar a vida e os costumes dos gaúchos ao longo da história”, diz Yamandu, “e de certa forma é a minha busca também”. E se Guto foi uma escolha óbvia, pois toca com Yamandu há muito tempo, a participação de Arthur Bonilla foi um resgate do passado. “Bonilla é um prodígio do violão desde os sete anos de idade”, diz Yamandu, “e tanto eu como ele tivemos como mestre o argentino radicado no Brasil Lucio Yanel, violonista, intérprete, autor, compositor, ator e folclorista”.
Dois detalhes caracterizam a produção de “Continente”. O primeiro é que o “baixolão” tocado por Guto foi encontrado em uma loja em Viena, e traz como característica ser um baixo com cordas de nylon. O segundo e que boa parte das composições foi feita durante as turnês de Yamandu e Guto pela Europa e até mesmo no Oriente Médio: “A gente fica nos hotéis muito tempo, e acaba compondo até para passar o tempo.“Sarará” (Yamandu) abre o disco com um tema repleto de lembranças pantaneiras, com influência da música paraguaia, e Yamandu faz questão delembrar Almir Sater. Já “Chamamer” (Yamandu/Guto) que é um nome de um ritmo argentino, foi composta em uma viagem entre Nice e a ilha de Córsega, e traz no bojo uma terna referência a Pixinguinha. “Cabaret”(Yamandu/Guto) investe em um clima cigano, enquanto “Bounyfie” (Yamandu/Guto), além de ser inspirada na esposa de Yamandu, tem um tom satírico definido por ele como “a elegia das pessoas desastradas...”.“Don Atahualpa” (Guto) é mais homenagem, no caso a Atahualpa Yupanqui, cantor, compositor, violinista e escritor argentino cuja obra é reverenciada por uma multidão de aristas latino-americanos. “Fronteiriço” (Yamandu/Bonilla)foi composta especialmente para este álbum, uma peça para dois violões de sete cordas em alta transfusão de sons, invocando a tradição musical do “banbuco” peruano e da música caribenha da Colômbia. “Namoro de guitarras” e “Pelea de Guitarras”, (ambas de Yamandu e Guto), integram uma suíte de quatro movimentos, onde os instrumentistas entremeiam os temas incessantemente.
A faixa “Continente” (Guto), que dá título ao álbum, traz uma mistura de ritmos dentro da mesma estrutura musical. E “Aperto” (Guto), é, certamente, a primeira gravação brasileira de um solo de baixolão. “Sufoco”(Yamandu/Guto), que fecha o disco, mostra bem o espírito andarilho do álbum, pois foi composta em um hotel em Abu-Dhabi, enquanto os dois músicos viam uma corrida de camelos na TV. “Meu trabalho é eclético e sempre dialoga com gêneros musicais como o choro, e para este álbum voltamos ao violão dos pampas para universalizar a beleza do trio de violões, que começa lá no México e vem até nós”, define Yamandu.