Duo Santoro lança seu segundo CD na Cidade das Artes, domingo, 21 de maio.
Com participações especiais de Cristina Braga (harpa), José Staneck (harmônica) e Ana Letícia Barros (pandeiro), "Paisagens Cariocas" reúne obras da MPB e da música clássica para dois violoncelos escritas por compositores que se inspiraram no Rio de Janeiro, como Tom Jobim, Ernesto Nazareth, Ronaldo Miranda, Ricardo Tacuchian e Sergio Roberto de Oliveira, que também assina a produção do CD.
O Duo Santoro lança seu segundo CD, mais um documento representativo de suas quase três décadas de serviços prestados à música brasileira. A par de sua qualidade técnica e musical, o trabalho ininterrupto desses dois irmãos gêmeos, Ricardo e Paulo, representa uma contribuição inestimável para o escasso, quase inexistente, repertório brasileiro para essa formação antes do início de sua brilhante carreira em 1990. Atualmente esse repertório é enriquecido por dezenas de obras de compositores brasileiros, a eles dedicadas, algumas registradas no primeiro CD, outras reunidas neste segundo, além de transcrições do próprio Duo, elaboradas com perfeita adequação às sonoridades específicas do violoncelo. Outros CDs do excelente Duo Santoro, incansáveis na divulgação da música brasileira, certamente se seguirão com a continuidade desse trabalho benemérito e de excelência musical dessa rara formação instrumental.
Edino Krieger
PAISAGENS CARIOCAS por Arthur Dapieve
Depois da ótima acolhida de crítica e público a Bem Brasileiro, o Duo Santoro resolveu ser ainda mais específico em termos geográficos no título deste seu segundo CD, Paisagens Cariocas. Se no trabalho lançado em 2013 cabiam peças para dois violoncelos escritas por brasileiros nascidos na Alemanha, na Argentina e na Polônia, “ser carioca” sempre foi uma cidadania afetiva. Portanto, nenhum dos doze compositores aqui presentes foi escolhido por ter nascido ou vivido no Rio e sim por refletir aspectos da cidade, de seus habitantes ou, até, da própria família Santoro. É assim que o CD se abre com a primeira de duas homenagens ao luthier Sandrino Santoro, italiano de nascimento, carioca por adoção, pai dos gêmeos Ricardo e Paulo Santoro, membros da Orquestra Sinfônica Brasileira. O contrabaixista Adriano Giffoni, natural de Quixadá, no Ceará, escreveu Sandrino no Choro para o seu instrumento – o mesmo de Sandrino – e um piano. A peça foi gravada pela primeira vez em disco próprio. Sua vocação popular, que evoca Noel Rosa, aqui tem um arranjo para dois violoncelos, feito pelo próprio Giffoni.
Outro caso de carioquice honorária é o de Oswaldo Carvalho, violinista e autor da suíte que dá título ao CD, Paisagens Cariocas. Ele é natural de Goiânia e radicado no Rio. Ricardo e Paulo optaram por gravar três de seus quatro movimentos: Estação Candelária, Estação Arcos da Lapa e Estação Feira de São Cristóvão. Um lança mão de elementos modais e atonais para espelhar o caos de todo dia no centro da cidade, outro mistura lundu e jazz para falar da malandragem local, e o terceiro abraça o baião num quase moto perpétuo. A suíte é, ainda, a primeira das seis obras no CD dedicadas ao Duo Santoro. Num corte deliberado, há um clima espiritual no arranjo de Ricardo Medeiros para Dindi, de Tom Jobim, no qual os gêmeos contam com a participação da harpista Cristina Braga. É a ela que cabe abrir a faixa, criando uma espécie de névoa sonora da qual “emerge” a melodia, como o vento afastando a bruma do Cristo Redentor num inverno do Rio. O carioca Ronaldo Miranda contribui com outra peça dedicada ao Duo Santoro, Diálogos, de dois movimentos complementares, Preâmbulo e Desafio, um tenso, contrapontístico, o outro impetuoso, homofônico.
O CD Paisagens Cariocas segue assim até o final: diluindo fronteiras entre o clássico e o popular, entre o universal e o local. Em arranjo de David Ganc, escuta-se Misturada, composição do cantor paraibano Geraldo Vandré e do percussionista catarinense Airto Moreira que faz pensar num épico nordestino, tal o vigor de suas arcadas e de seus pizzicati. Heitor Villa-Lobos, que tão bem escreveu para violoncelo, comparece com Melodia Sentimental, na qual o Duo Santoro recebe o gaitista José Staneck. O nome da peça diz quase tudo. Sentimental, sim, mas também grandeza nesse sentimentalismo, tão brasileiro, tão carioca, como o próprio Villa.
Outro compositor nascido no Rio, Sergio Roberto de Oliveira, produtor do CD, oferta já a partir do título uma música em três movimentos ao Duo Santoro, Aos Santos Oro. As preces do compositor buscavam forças para superar um momento difícil, inclusive em termos de saúde. Logo, Fughetta, Oração e Júbilo apelam tanto às conexões divinas de Bach quanto à euforia sensual do frevo para a obtenção de uma cura completa. É interessante como a obra se articula com um “standard” da música carioca, no qual os irmãos se fazem acompanhar pelo pandeiro de Ana Letícia Barros: o tango brasileiro Brejeiro, de Ernesto Nazareth. A naturalidade tem sequência em Pedro e Marcela, peça de Dimitri Cervo, gaúcho de Santa Maria, uma cinematográfica cantiga de ninar que leva os nomes dos filhos dos irmãos Santoro. Ou em Mosaicos II, de Ricardo Tacuchian, parte de um ciclo inspirado nas artes visuais e escrito para diversas formações. Composto originalmente para dois violinos, o trabalho especula sobre a relação entre parte e todo em passagens sombrias e contrastantes. Vem, então, outro “standard” carioca, o choro Brasileirinho, de Waldir Azevedo, que de novo conta com Ana Letícia no pandeiro. Para um encerramento simétrico, Paisagens Cariocas tem outra homenagem ao pai dos irmãos Santoro, A Bênção, Sandrino, escrita por Leandro Braga, natural de São José dos Campos, estado de São Paulo. A obra possui uma espinha bonachona que se abre, aqui e ali, para episódios mais introspectivos. De certa forma, essa mesma alternância vale para o conjunto do CD: há muita alegria de tocar e bocados de reflexão musical.