Projeto que circula por espaços do Rio desde novembro, levando ciência e artes visuais para a população, ganha nova etapa para tratar de questões ligadas ao meio ambiente
A partir do dia 15 de março, o Busão das Artes, um caminhão de 15 metros adaptado para receber experimentos interativos de abordagem científica e projetos de artes visuais, abre nova temporada em mais dois pontos do Rio: a Cidade das Artes (março) e o Museu de Arte Moderna (abril), no Aterro. Levando muita informação e interatividade para o público, a iniciativa tem curadoria de Marcello Dantas e do físico Luiz Alberto de Oliveira.
Nesta segunda etapa, o projeto amplia seu escopo e passa a tratar também das questões relacionadas ao meio ambiente e a urgente revisão daquilo que se refere à manutenção de seu equilíbrio. Se somam ao caminhão - que circula pela cidade desde o dia 30 de novembro do ano passado, com trabalhos de Jaider Esbell, Piero Manzoni, Suzana Queiroga, Vik Muniz e Walmor Correa - duas novas obras: uma instalação sonora da artista visual paulistana Vivian Caccuri e um trípico criado a partir de material reutilizado, do artista plástico paraense Ricardo Carvão Levy.
De acordo com Luiz Alberto de Oliveira, o eixo comum que liga as duas etapas do Busão é o conceito de diversidade: “Na primeira etapa, o projeto apresentou a diversidade interna que nos constitui, tratando de nossa bioflora ao falar de fungos e bactérias. Nessa renovação do Busão, abordamos a diversidade do mundo externo e tudo aquilo que assimilamos dele. Vamos pensar criticamente sobre nossa prática de retirar e processar elementos do meio ambiente, devolvendo a ele os resíduos tóxicos deste processamento. É preciso questionar essa economia e fazer uma reflexão acerca do uso de tudo aquilo que nos é comum, reavaliando a circulação dos bens naturais que nos sustentam”.
"Nós não apenas pertencemos a um ecossistema, como cada um de nós é em si um ecossistema. O Busão traz a proposta de funcionar como uma espécie de realfabetização sensorial e cognitiva, para apresentar um conceito original do século XXI: a diversidade integra unidades”, avalia Marcello Dantas. “Em razão da pandemia de Covid-19, as pessoas acabaram aprendendo mais sobre uma série de processos não perceptíveis a olho nu, mas que mudam o curso da história. É preciso inocular na cabeça da população a consciência sobre essas dinâmicas e usar a arte como plataforma para entender as forças que estão em constante relação”, afirma o curador.
Sobre a obra de Ricardo Carvão Levy
O artista plástico Ricardo Carvão Levy compõe a própria obra como espelho da vida. A inspiração pode vir do entorno, de formas orgânicas da natureza ou ainda dos materiais que segue encontrando e transformando em escultura. O trípico sem título da Série Tubismo, criado em 2015 a partir de material reutilizado (um único tubo de aço carbono) - dispondo como técnica apenas cortes e dobras, sem retirar ou acrescentar matéria - chama o espectador à reflexão sobre a importância da preservação ambiental.
"Alegra-me ver minhas peças ao ar livre, em praças, parques, jardins, exposições. Que possam ser apreciadas por todas as pessoas, independentemente de classe social ou nível cultural", celebra Carvão.
Sobre a instalação de Vivian Caccuri
Vivian Caccuri cria ficções para debater as raízes históricas da atual população de mosquitos americanos. Sesmaria Soundsystem, um sistema de som modelado puramente a partir de rapadura obtida da cana-de-açúcar, é um grande esforço técnico da equipe de Vivian para reinterpretar derivados da cana em mídia de reprodução de som. O período de desenvolvimento dos primeiros modelos durou aproximadamente seis meses de tentativa e erro, em um processo que combinou a observação da química da rapadura, as restrições do áudio e os desafios da conservação, devido ao quão impermanente esse material pode ser em um ambiente tropical como o Rio de Janeiro.
Percebendo que as primeiras epidemias de febre amarela e doenças transmitidas por mosquitos tiveram seu epicentro na economia açucareira colonial, Vivian propõe que o material da rapadura ecoa o incômodo som dos mosquitos, acompanhado pela típica folhagem da cana e ruídos de queimadas, além da música das flautas mestiças “Pife”. Essas flautas estavam engajadas em procissões religiosas profanas no mesmo período das primeiras epidemias de febre amarela, em meados do século XVIII. A trilha sonora é inteiramente composta pela artista com sons de mosquitos reais capturados por biólogos, sons de mosquitos gerados por software programado por ela e outros recursos de composição.
O Busão das Artes é um projeto realizado por três mulheres: Renata Lima, que dirige a Das Lima Produções; e a dupla Lilian Pieroni e Luciana Levacov, da Carioca DNA.
"O Busão nasceu da força de vontade da CariocaDNA e da Das Lima em educar, humanizar e sensibilizar, abordando dois temas urgentes e atuais: ciência e meio ambiente. Esse projeto acontece em praças e outros espaços públicos, gratuitamente, e está aberto a todes. Uma equipe capacitada de mediadores e arte educadores irá atender e aprofundar os conteúdos apresentados. Procuramos sempre buscar qualidade de vida e tornar a cidade um ambiente vivo”, afirma Luciana Levacov.
Sobre Luiz Alberto Rezende de Oliveira
Físico, doutor em Cosmologia, foi pesquisador do Instituto de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica (ICRA-BR) do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCTI), onde também atuou como professor de História e Filosofia da Ciência. Professor, palestrante e consultor de diversas instituições, foi curador do Museu do Amanhã do Rio de Janeiro.
Sobre Marcello Dantas
Criador interdisciplinar, trabalha na fronteira entre a arte e a tecnologia, produzindo exposições, museus e múltiplos projetos que buscam proporcionar experiências de imersão por meio dos sentidos e da percepção. Esteve por trás da concepção de diversos museus, entre os quais o Museu da Língua Portuguesa e a Japan House, em São Paulo; o Museu do Homem Americano e o Museu da Natureza, no Piauí; e o Museu do Caribe, na Colômbia. Assinou a curadoria de exposições de artistas estrangeiros de renome como Ai Weiwei, Anish Kapoor, Jenny Holzer, Michelangelo Pistoletto, Peter Greenaway, Rebecca Horn, Bill Viola e Laurie Anderson. Foi também diretor artístico do Pavilhão do Brasil na Expo Shanghai 2010; do Pavilhão do Brasil na Rio+20; e da Estação Pelé, em Berlim, na Copa do Mundo de 2006. Integra o corpo de curadoria da Bienal de Vancouver desde 2014.